O conceito fake news é utilizado para se referir a notícias falsas ou imprecisas que são publicadas, majoritariamente, na Internet. Essa expressão, que significa “notícias falsas” (em tradução livre), já existe há bastante tempo.
Desde a declaração de pandemia do novo coronavírus (COVID-19) pela Organização Mundial de saúde, juntamente com a recomendação de isolamento social, diariamente recebemos em nossas redes sociais uma “chuva” de fake news.
A desinformação gerada pela fake news pode gerar efeitos nefastos, desde causar pânico social, desgastes políticos, linchamentos, difamações, calúnias, injúrias e culminar até em guerras entre nações.
A primeira iniciativa brasileira no combate à veiculação e disseminação de notícias falsas encontrava-se na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 09/02/1967)22, declarada pelo Supremo Tribunal Federal como não recepcionada pela Constituição de 88, nos termos da ADPF 130-7/DF, da relatoria do ex-Ministro Carlos Ayres Britto.
Atualmente, há o Marco Civil da Internet, ocorrido com a edição da Lei nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Segundo a legislação, o uso da Internet é permeado por inúmeros princípios, como a preservação e a garantia da neutralidade da rede (art. 3.º, inciso IV, Lei 12.965/14) e a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento (art. 3.º, inciso I, Lei 12.965/14), e tem como objetivos o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condição dos assuntos públicos (art. 4.º, inciso II, Lei 12.965/14).
Devemos ter em mente que o direito à liberdade de manifestação e pensamento previsto na Constituição não autoriza ofensas que possam ferir a honra e dignidade de uma pessoa.
No tocante à responsabilidade civil, quem produz ou compartilha informações falsas pode ser condenado a ressarcir a vítima se houver danos morais ou materiais.
É claro que a liberdade de manifestação do pensamento é o direito de qualquer um manifestar livremente suas opiniões, ideias e pensamentos sem medo de retaliação ou censura. Contudo, ao exercer a liberdade garantida na Constituição, uma pessoa ofender a dignidade de outra, surge então o direito de indenização que pode ser configurado em dano moral e/ou material, sendo que estes não se confundem e podem ser cumulados em um único processo.
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação[1], afetando diretamente sua honra objetiva e subjetiva.
O dano moral também não pode ser confundido com o mero aborrecimento ou dissabor. O mero aborrecimento cotidiano é entendido como fato imperceptível, que não atinge a personalidade do indivíduo, sendo um fato da vida e, portanto, não repercutindo ou alterando o aspecto psicológico ou emocional de alguém.
Em uma ação judicial a situação será analisada minunciosamente, devendo ser empregados os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório para que se possa chegar a uma decisão justa para o caso concreto, evitando-se, assim, que haja um incentivo a chamada indústria do dano moral, assim como que lesão à dignidade da pessoa fique impune.
Quanto ao dano material, é o prejuízo financeiro. É imprescindível que o lesionado seja capaz de comprovar que a publicação da notícia falsa foi a causa de seu prejuízo, não sendo admissível a indenização por dano presumido.
O dano material pode ocorrer por uma redução do patrimônio da vítima, ou seja, o que ela perdeu/gastou (dano emergente) ou ainda pelo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar em função daquele detrimento ocasionado (lucro cessante).
A reparação civil deverá ser aplicada de forma justa e proporcional, não podendo caracterizar enriquecimento ilícito, sobretudo na apuração do dano moral, que deve levar em conta o caráter punitivo/pedagógico da indenização. Para isso, é necessário balancear a situação econômica das partes, o dano sofrido pela vítima de uma notícia falsa e a repercussão dessa publicação em sua vida.
Os tribunais brasileiros têm reconhecido o direito à indenização no caso de publicação ou compartilhamento de fake news, o que é fundamental para inibir esse comportamento tão danoso.
Não só a criação, mas também o compartilhamento podem ser causa de indenização, é importante que ao se encontrar com uma notícia nas redes sociais, o usuário consulte se algum site jornalístico já publicou o fato e as fontes da publicação para evitar incorrer em um processo judicial.
Devemos ficar atentos às informações em tempos de pandemia e isolamento social, tendo em vista que o princípio constitucional da liberdade de manifestação do pensamento deve ser exercido com consciência e responsabilidade, evitando-se gerar motivações para indenização por dano moral e/ou material.
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. IV.
Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/fake-news-pandemia-e-responsabilidade-civil-hender-gifoni/